Encontrar a raiz de um problema é uma das últimas coisas que você deve fazer. Veja como chegar até lá.
Por Bruno Vasquez
Publicado em 28 de maio de 2025.
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Uma dificuldade compartilhada por muitos da nossa área é saber o que fazer diante de um problema. Pensando nisso, a prática que vamos estudar hoje é o processo de solução de problemas seguindo o estilo japonês de gestão. Este foi um dos assuntos que tive o prazer de aprender diretamente na fonte, em um curso ministrado pelo time de consultoria interna da Toyota do Reino Unido.
Aviso importante: nada do que está escrito abaixo irá funcionar se você acreditar em culpar pessoas pelos problemas. Este processo de solução de problemas é para quem já entende que o trabalho deve ser adequado e projetado para compensar as fraquezas naturais do ser humano, pois ele NUNCA será perfeito.
Dito isso, podemos seguir. Espero que goste.
Solucionar um problema é feito em duas fases: reativa e preventiva.
Para compreender melhor a fase reativa você precisa compreender o papel da padronização. Apresentar isso a você agora será um pouco fora da ordem, mas é necessário.
Padronizar um processo significa definir o que deve ser feito, como, e em qual quantidade. É exatamente a mesma lógica de criar uma receita para um prato: a receita controla as variáveis para que, sempre que seguida e sem a interferência de alguma anormalidade, o resultado seja aquele prato, e não outro. O padrão é a receita para o processo dar o resultado desejado de forma constante e previsível.
Dito isso, um problema - que nada mais é do que um resultado diferente do resultado esperado - surge a partir de três possibilidades:
Não havia um padrão de como fazer e como deveria ser. É o equivalente a tentar fazer um bolo de cenoura simplesmente dependendo da sorte de acertar a sequência de operações e quantidade de ingredientes.
Havia um padrão de como fazer e de como deveria ser, mas ele não foi seguido rigorosamente. Você queria um bolo de cenoura, existia a receita para um bolo de cenoura, mas você decidiu dobrar a quantidade de farinha, ou de ovos, ou simplesmente esqueceu da cenoura.
Havia um padrão de como fazer e de como deveria ser, mas ele já não era mais o adequado para o resultado esperado. Você precisa de bolo de cenoura, tem os ingredientes para bolo de cenoura, mas a receita atual é para bolo de fubá.
Portanto, quando estiver diante de um problema, e depois que os sintomas estiverem controlados, um ótimo atalho é perguntar se havia padrão; se havia, se foi seguido; e se foi seguido, se era o adequado, pois se não havia um padrão, o primeiro passo é criar um; se havia, era o adequado, mas não foi seguido, o primeiro passo é entender o motivo; e se havia, foi seguido, mas não era o adequado, você já vai direto para entender e melhorar ou corrigir o padrão.
E não se esqueça: o pensamento correto não é se é possível ou não padronizar alguma atividade ou processo, mas sim, o quanto. Até a arte de escrever um romance pode ter algum nível de padronização que facilite a criatividade. O segredo da padronização está na dose.
Um fluxograma para você ter um esquema visual das decisões diante de um problema. Fonte: elaborado pelo autor.
Partindo do que você viu acima, o objetivo da fase reativa é normalizar a situação. Todo problema é uma anormalidade em relação aquilo que é o padrão da situação.
Vamos dividir ela em dois passos:
Contenção dos sintomas;
Registro do problema.
Contenção dos sintomas
O sintoma é o efeito visível do problema. É como a febre para o corpo humano: ela em si, não é um problema, mas o indício, a manifestação de que há um problema.
Quanto mais imediata for a contenção dos sintomas, maior a tendência de conseguir as informações mais exatas para o registro da situação.
A contenção é feita através de uma contramedida temporária. Este tipo de contramedida não tem o objetivo de prevenir o problema, mas sim, impedir que os sintomas se agravem e se espalhem. É algo temporário e imediato para “diminuir o incômodo”. Imagine que seu processo é como um paciente com hemorragia: antes de prevenir que ocorra uma nova hemorragia, você primeiro precisa conter o sangramento atual para que ele não morra. Anote: primeiro você protege os clientes internos e externos, depois previne o problema.
Por causa disso, contramedidas temporárias costumam aumentar custos: geralmente elas envolvem acrescentar um recurso - alguém para conferir um a um de algo que está sendo feito, ou alguma outra atividade que em situação normal, seria desnecessária -, e não a opção mais eficiente. A prioridade aqui é eficácia.
Considere um cenário onde, durante o fechamento financeiro do mês, encontramos, na planilha utilizada, um erro na soma dos custos de um dos centros de custo da empresa. Como contramedida temporária, corrigimos a fórmula e determinamos que até que seja encontrada a raiz do problema e nela, aplicada contramedidas preventivas, nosso assistente administrativo irá conferir todas as somas de todos os fechamentos que forem recebidos.
Registro do problema
O registro precisa facilitar a execução da fase preventiva. Para o registro, devemos conseguir capturar os fatos básicos sobre o problema, e isso é feito de forma excelente com a estrutura do 5W1H [1].
O registro da situação é feito identificando:
Por quê? - Objetivo;
O quê? - Objeto;
Quem? - Sujeito;
Como? - Método;
Onde? - Espaço;
Quando? - Tempo.
Configurando essa estrutura para registro de problemas - já que ela pode ser utilizada para descrever fatos em qualquer cenário -, as perguntas serão:
O quê aconteceu? Descreva o ocorrido.
e.g., Erro no valor das despesas do centro de custo 00012, na planilha B.
Com quem aconteceu? Registre a pessoa ou grupo de pessoas envolvido no ocorrido.
e.g., Pessoa A, Analista Administrativo do centro de custo 00012.
Como aconteceu? Descreva de forma sucinta o que se sabe inicialmente da situação.
e.g., A fórmula da célula de soma estava incorreta.
Onde aconteceu? Departamento, sala, linha, ou qual for a melhor definição do espaço onde aconteceu o problema.
e.g., Departamento 00012.
Quando aconteceu? Data e horário do dia.
e.g., 26/05/2025, 14h32.
Não me esqueci do por quê. O segredo aqui é que esta pergunta deve ser feita para cada uma das respostas para as outras perguntas, em um segundo momento de análise aprofundada ou até messmo para elaborar um padrão de processo [1].
No começo será um desafio levantar tais informações com a devida qualidade, mas não desista, muito menos busque a perfeição. Comece e depois aprimore. Um destes aprimoramentos naturais será criar códigos alfanuméricos para, por exemplo, registrar mais rapidamente em qual departamento aconteceu.
Os elementos de qualquer situação, de acordo com Shigeo Shingo. Em um diagrama, praticamente temos uma aula sobre, inclusive, como elaborar padrões de trabalho. Fonte: [1]
O objetivo desta fase é criar contramedidas preventivas, que por atuarem nas causas do tipo raiz do problema, impedem que toda a sequência de causa e efeito que leva à sua ocorrência aconteça.
Aproveitando o exemplo anterior que eu usei para o registro do problema, considere que as causas raízes foram corretamente identificadas e definidas. Uma delas é o fato de que a fórmula da soma da planilha pode ser livremente editada. Uma contramedida preventiva seria bloquear a edição da fórmula, prevenindo que aquela causa raiz dispare a sequência de ocorridos que levam ao problema.
Importante: aqui, escrevo prevenção, e não solução, pois mesmo um problema “resolvido” na causa raiz pode retornar: aquela causa raiz sempre será válida somente enquanto o contexto e as variáveis daquele cenário onde ocorreu o problema forem as mesmas ou não exatamente as mesmas, mas ainda, não diferentes o suficiente para alterar os efeitos.
A fase preventiva pode ser dividida em 8 passos - baseando se no método Toyota Business Practice (TBP) -, que aqui eu tentei fazer kaizen nos nomes [2]:
Modelagem do problema;
Definição da prioridade;
Definição da meta;
Análise de causa raiz;
Definição de contramedidas preventivas;
Execução das contramedidas preventivas;
Análise dos resultados;
Consolidação dos resultados.
Os dois primeiros passos são feitos com 5W1H, e portanto, se o registro inicial já seguiu essa estrutura, seu trabalho de análise ficará menos complicado.
Infelizmente, estes 8 passos requerem explicações muito mais aprofundadas. Envolvem métodos e ferramentas consolidadas - Diagrama de Ishikawa, 5 Porquês - e que, mais do que no currículo, pesam e diferenciam quem vai conseguir dar resultado prático ou não.
Se você quiser se aprofundar nelas com o devido rigor, leia o EXTRA que deixei aqui, logo após as referências.
Um abraço, e nos vemos em breve.
Bruno
Referências
[1] Shingo S. Non-Stock Production: The Shingo System of Continuous Improvement. CRC Press; 1988.
[2] Liker JK, Meier D. The Toyota Way Fieldbook. McGraw-Hill Education; 2006.
EXTRA
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Este curso já teve outros nomes, e o mais conhecido foi Resolução de Problemas com PDCA e A3. Meu intuito com a mudança no título é, além de diferenciar a nova versão, que será maior e melhor, desassociar o PDCA com apenas solução de problemas e lembrar a todos que o A3 é somente um relatório, e não o método em si. Mas eles serão sim ensinados e aplicados no curso.
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