"Cada caso é um caso" pode não ser a melhor abordagem, apesar de ser a mais comum e mais recomendada por aí.
Por Bruno Vasquez
Publicado em 15 de junho de 2025.
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Se eu te colocasse, neste exato momento, diante de um processo, dentro de uma empresa, e te pedisse para melhorar a performance dele, você saberia o que fazer, ou por onde começar?
Minha experiência convivendo com profissionais envolvidos em aumento de eficiência, seja nas redes sociais, seja no mundo real, tem me mostrado que existe um consenso:
"Cada caso é um caso."
Ou seja, não há um consenso sobre por onde nem como começar.
Mas eu discordo. Tanto deste consenso, quanto do semelhante de que não há jeito certo de começar a implementar a prática do Lean. Para mim, com base em experiência e estudo, há sim um jeito correto para ambos os casos, e hoje vamos discutir neste artigo especificamente sobre o primeiro.
O racional para saber por onde começar quase qualquer coisa neste tipo de situação é bastante simples: para que serve o nosso objeto de análise?
No nosso caso, para que serve um processo?
No sentido de: qual é a sua função mais básica?
Alguns podem estar pensando em responder que um processo serve para garantir a eficiência, ou para minimizar a chance de erros, ou facilitar a gestão.
E está excelente: um processo serve para tudo isso. Porém, todos estes são apenas objetivos-meio, aqueles que precisamos atender para alcançar a um objetivo maior, principal. É para este que quero a resposta.
Relembrar - ou finalmente entender - qual é o objetivo mais fundamental de um processo é simples se tivermos em mente qual é o objetivo de todo e qualquer negócio: atender a uma demanda.
Projetamos, implementamos e melhoramos processos para sermos capazes de dar conta desta demanda.
Como adjetivo a este objetivo, temos a necessidade de lucro, e portanto, a necessidade dos objetivos-meio: termos alta eficiência, menos erros e uma gestão simples são todos objetivos secundários que nos permitem atender à demanda com o menor custo - algo crucial para nossas margens de lucro.
Agora, com o objetivo básico, o propósito primário de um processo em mente, você ainda seria capaz de acreditar no argumento de que "cada caso é um caso"?
Talvez.
Vamos nos aprofundar mais um pouco e tentar te convencer do contrário.
Existe um conceito dentro do Sistema Toyota de Produção que é tão importante, mas tão importante, que Taiichi Ohno exigia que este fosse escrito na cor vermelha [1].
Este conceito existe, e está lá, todos os dias, ao seu lado, feito um fantasma, quer você conheça ele ou não.
Inclusive, ele é a base para julgar sua competência - mesmo que seu chefe também não o conheça -, e você nem percebe.
E não interessa se você está soldando chassis, analisando currículos para um processo seletivo ou atendendo reclamações em um call center: ele estará lá.
Este conceito é o Takt Time (TT).
O Takt ficou conhecido por causa do Just-in-time, um outro conceito do sistema de gestão da Toyota.
O livre mercado demanda uma grande capacidade de flexibilidade e resiliência diante de ciclos econômicos e alterações na demanda, o que inviabiliza a ideia de grandes estoques. Aqui, contar com volume não é a melhor forma de ter menor custo unitário e produzir de forma econômica passa a depender do nosso método de trabalho e seus excessos.
Claro que existem inúmeras maneiras individualistas de trapacear neste modelo de mercado: lobby com governos, demissões em massa e outras artimanhas. Porém, se a busca é por um caminho mais digno dentro do capitalismo, o sistema da montadora japonesa ainda é a melhor escolha.
Parte da ideia de produção econômica do Sistema Toyota de Produção é o Just-in-Time (JIT). O JIT é orientado pela premissa de produzir o que é necessário, quando é necessário e na quantidade necessária.
Isso significa estar atento e buscando meios para lidar com aquele que é a gênese de toda uma cadeia de desperdícios: o excesso de produção. Considerando que desperdício é qualquer quantidade além da mínima de recursos necessária para atender à uma demanda - sim, a definição oficial e mais antiga da Toyota não é uma lista de sete ou oito coisas, mas isso é assunto para outro momento -, uma quantidade sobressalente de produção - que não a demandada pelo mercado - consome mais matéria-prima, mais espaço, pode levar a compra de mais mais equipamentos, mais maquinário, e de mais horas de trabalho. Ou seja, mais custo, menos lucro [2, 3].
O JIT também é, ao mesmo tempo, uma visão inalcançável. É ela quem orienta e fundamenta a obsessão por seguir fazendo kaizen e chegar a cada ciclo, o mais próximo possível desta utopia. Por colateral, vamos nos tornando sempre mais eficazes e eficientes. Mas o JIT também é um elemento técnico que depende de muitos outros, como por exemplo, do nivelamento da demanda, trabalho padronizado, e em alguns casos, do kanban.
Dentre todas as interdependências, o JIT exige um "maestro", um regente. É preciso algo para iniciar, conduzir, reduzir, aumentar, e que nos diga se estamos em compasso ou atrapalhando a "sonoridade" da demanda. No JIT, este regente é o Takt Time.
O TT é o resultado da divisão do tempo que você tem disponível para trabalhar em um determinado intervalo de tempo, pela demanda total esperada ou planejada para aquele determinado intervalo. Veja um exemplo rápido e que vai ser um bom ponto de partida para seguirmos na argumentação:
Intervalo de tempo: mês.
Tempo disponível para trabalho no mês: 220h.
Demanda planejada para o mês: 5000 demandas.
TT = 220/5000 = 0,044 horas/demanda.
Convertendo em uma unidade de tempo mais adequada para o dia a dia de um turno de trabalho: 0,044 horas = 158,4 segundos. Arredondando - e no caso do TT, sempre para baixo - 158 segundos/demanda.
Isso significa que a cada 158 segundos, deveríamos entregar uma demanda.
Saber o seu Takt Time não garante que você vai usá-lo corretamente, mas a premissa básica de uso é a seguinte:
Se nossa entrega de demandas está em compasso com o Takt, estamos em uma situação normal: estamos atendendo à quantidade de demanda necessária;
Se nossa entrega de demandas está ultrapassando o Takt, estamos em uma situação anormal: temos excesso de produção, estamos adiantados e isso pode não ser bom, pois antecipa custos e nos torna inflexíveis quanto à mudanças de demanda;
Se nossa produção está abaixo do Takt, estamos em uma situação anormal: não vamos conseguir atender à quantidade de demanda. O processo não conseguirá cumprir seu objetivo básico.
O primeiro passo diante de um processo a ser melhorado é descobrir qual é o Takt.
Com isso em mente, o restante fica mais claro:
Compare a entrega do processo - demandas por quantidade de tempo, com o Takt.
Então você vai, com base no resultado disso, ver se a situação é uma questão de atender ao Takt de forma mais econômica, ou se a questão é ser capaz de atender ao Takt. Com ele em mãos, você se torna capaz de buscar qual é o gargalo que te impede de estar em sintonia com o ritmo da demanda e quais os motivos: estamos perdendo volume por problemas de qualidade, máquinas imprevisíveis e insuficientes, layout irracional, ou o quê?
Sem essa noção, você estará atirando no escuro. Atirar no escuro dá resultado, mas não necessariamente aquele que é prioridade: aquele que atende aos objetivos básicos dos negócios.
Importante reforçar que, como eu disse, conhecer o TT não garante que você vai saber fazer o uso correto e nem o mais completo. A partir deste momento, se quiser isso, você vai precisar se aprofundar em como lidar com variações de demanda, relações internas de cliente-fornecedor, como utilizar os valores dele em situações onde a demanda é baseada em probabilidade, saber como identificar gargalos, como lidar com eles, entre outras questões, mas nada disso anula o fato:
Ele está lá.
E nada anula também o fato de que você só é capaz de lidar com aquilo que ao menos sabe da existência.
Então, esqueça começar por mapeamento de processos - como a maioria dos consultores te faz acreditar -, pois o mapeamento em si deveria servir para te ajudar a encontrar certos tipos de impedimentos para atender ao Takt.
Esqueça também as métricas de eficiência. Há um risco enorme de você estar sendo extremamente econômico em fazer algo desnecessário e ou insuficiente. Eficiência é mais proveitoso depois que já se é eficaz, depois que já se é capaz de fazer o mínimo: atingir o objetivo principal. Empresas ganham dinheiro quando atendem à demanda, e não simplesmente quando as máquinas e pessoas parecem estar trabalhando. Todo o seu processo deveria ser projetado e estudado, melhorado, para e em torno do Takt. E é a ele que você deveria buscar obedecer.
Mas a empresa que sobrevive no médio e longo prazo é aquela que faz o básico - atende à demanda - da forma mais econômica, mais eficiente. Por isso, sempre que possível, cuide de ambas simultaneamente, como em uma "dupla hélice" que gira em direção aos patamares mais elevados: que seus próximos kaizen sejam para atingir ao Takt da forma mais eficiente possível.
E então? Consegui te convencer de que existe sim jeito certo de começar a melhoria de processos?
Espero que este texto tenha trazido luz, ritmo e direção para a sua caminhada no kaizen.
Um grande abraço e até a próxima,
Bruno
Referências
[1] Standard Work Webinar - By: Mark DeLuzio, Principal Architect of the Danaher Business System. 2021.
[2] Kanban Just-in-time at Toyota: Management Begins at the Workplace. Productivity Press; 198
[3] SUGIMORI Y, KUSUNOKI ,K., CHO ,F., and UCHIKAWA S. Toyota production system and Kanban system Materialization of just-in-time and respect-for-human system. International Journal of Production Research 1977;15:553–64.
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