Continue sempre fazendo PDCAs com "P" longo, extenso e bem "planejado', e você verá sua empresa fechar as portas antes de chegar na causa raiz.
Por Bruno Vasquez
Publicado em 21 de maio de 2025.
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Razão ou emoção é um falso dilema. É simples: ambas são necessárias para o objetivo básico do ser humano enquanto organismo, que é a sobrevivência [1]. Primeiro, sem o processo de raciocínio você não conseguiria ler esta edição da cartakaizen. Não há emoção que te faça entender uma simbologia e nem capaz de dar um sentido complexo o suficiente para que você interprete adequadamente o que vou te transmitir por meio desta grande e variada quantidade de traços. Pense agora em como seria ter que navegar pelo mundo complexo em que vivemos sem poder entender um escrito longo.
Depois, sem emoção, também não, pois sem o papel dela você não haveria nascido: seus antepassados não teriam sobrevivido às situações onde decisões precisam ser tomadas sem raciocinar, sendo incapazes de fugir em tempo adequado de alguma situação perigosa. Não a toa os sistemas mais primitivos - os emocionais - do cérebro assumem o protagonismo em situações de vida ou morte [1].
Mas mais do que isso, ambas estão sempre em conjunto, quer seja anatomicamente, quer seja no resultado das sinapses [1]. Uma emoção gerada por colocar a mão em uma panela quente vai te ensinar a raciocinar antes de lidar com fogo. Em contraste, a informação teórica de que algo é um veneno, quando interpretada pelo seu raciocínio, pode te levar a imaginar todas as complicações de morrer dolorosamente, e o despertar de emoções te impedirá de beber cicuta no almoço - algo extremamente irracional se o objetivo é a sobrevivência. Fascinante, não?
Mas podemos ir ainda mais além.
A partir de um ponto de vista mais fisiológico e reducionista, a lógica é mantida, e de todas as calorias que você fornece diariamente ao seu corpo, em torno de 20% são consumidas pelo cérebro. Desta porção, quase o total - cerca de 90% - é gasta com as atividades definitivamente necessárias para te manter vivendo: respirar, monitorar sua glicose, operar o sistema nervoso, etc. Restam assim, míseros 10% para gastar com raciocinar. Imagine agora se para toda e qualquer situação, ao invés de simplesmente reagir com base na emoção - muito mais econômico e rápido -, você parasse para pensar e pesar todas as possibilidades até encontrar a mais próxima da perfeição [1,2]. É inviável usar a razão para tudo. Estaríamos extintos.
Por outro lado, raciocine sobre se haveria tempo hábil para, totalmente dependente de apenas reagir, ser promovido ao cargo que você deseja na sua área de formação e atuação profissional. Tente imaginar como seria buscar este objetivo de longo prazo sem um mínimo de raciocínio, sem ser capaz de gerar estratégicas e táticas refinadas. Aposto que a emoção de tal fantasia te causou um sentimento nada agradável.
Mas não estou aqui para exibir meu estoque de conhecimentos sobre funcionamento do ser humano. Só te contei tudo isso pois o mesmo acontece com o uso do PDCA: há hora de agir com PDCA, de forma profundamente racional, e há hora de reagir com um PDCA, com racionalidade o suficiente. Há hora de fazer um P detalhado, extenso, e há hora de fazer um P rápido e direto. Além disso, o PDCA ser bom ou ruim, os resultados se sustentarem ou não, por causa da extensão do conteúdo de sua fase de Plan, é, assim como "razão ou emoção", um falso dilema. Mesmo assim, tudo isso segue sendo propagado como conhecimento e expertise no uso do ciclo, mesmo em materiais pagos.
Uma evidência destas crenças errôneas é que as pessoas ainda acreditam que a Toyota para a linha de montagem toda vez em que ocorre um problema, mas só dá continuidade nos processos depois de encontrar a causa raiz. É uma ilusão comum pela forma superficial com que o tema Jidoka é apresentado desde sempre. Mas o Jidoka, pra mim, é uma das melhores formas de entender como devemos lidar com um problema. Jidoka é, dentre tantas coisas, sobre tempo. É sobre reagir na hora certa, com a intensidade certa.
Quando surge um problema em uma linha de montagem da gigante automotiva japonesa, primeiro, há um sinal - sonoro, visual, misto. Este sinal torna claro que aquela pessoa, daquela atividade, precisa de ajuda. A primeira ajuda, que virá do líder direto daquela equipe, tenta conter o problema dentro do próprio tempo Takt.
Se tal porção de tempo não é o suficiente, então espera-se que a linha atinja a marcação de parada, isto é, o ponto demarcado que representa o momento de tempo em que todas as estações terminam suas operações dentro daquele ciclo do Takt e assim, uma interrupção não causa nenhum problema de qualidade ou segurança por interromper alguém durante o andamento de uma montagem. Afinal, a linha de montagem é móvel. Aqui, então, começa uma pequena força tarefa, que tem um limite de tempo definido para conseguir conter o problema. Um admirável e brilhante "balé".
Caso este limite ainda não seja o suficiente, aquela unidade de veículo é retirada da linha principal - que agora, volta a trabalhar -, e a unidade problemática passa a ser tratada em um local à parte, através de um ciclo PDCA que pode durar algumas horas ou alguns dias, e cujo resultado será uma medida temporária para aquele problema, e não a solução para a causa raiz.
Porém, aparentemente, um PDCA feito em poucas horas é uma heresia para os "especialistas" em Lean e outros derivados do sistema da Toyota.
De tempos em tempos, algo chamado de “PDCA Brasileiro” é apresentado e criticado na rede do LinkedIn. Em uma imagem com duas colunas, na primeira e ao lado da bandeira do Japão, desenham o ciclo com um “P” de fatia extremamente generosa, dizendo que é o modo de trabalhar dos japoneses. Ao lado, apresentam o contraste - o do brasileiro -, um outro ciclo PDCA com as fatias do "D” e do “A” esmagando todas as outras com seu tamanho colossal. Em cima disso, argumentam que planejamos pouco e assim a execução demora demais - por causa da desorientação causada pela tentativa e erro -, e que assim nenhum resultado se mantém: o que faria o A extenso, devido ao voltar a “apagar incêndios”, sem tempo para mais nada bem elaborado.
Basta pesquisar "PDCA brasileiro e japonês" no Google Imagens e você encontra essa aberração.
Tais afirmações não estão de todo erradas, mas erradas em um ponto crucial e que ofusca completamente a parte que está correta: deboche contra o “PDCA brasileiro” só é válido quando em certo contexto, que é quando o objetivo daquele ciclo PDCA requer planejamento extenso. A postagem tão popular erroneamente vem com o tom de que só existe uma forma de usar o PDCA, e que a duração de cada etapa é algo inerente ao PDCA, e não ao objetivo. Porém, a palavra chave aqui é objetivo. Quem determina o quanto um planejamento será complexo, longo ou simples, curto, mais refinado ou não, não é o PDCA, mas sim, o objetivo daquele PDCA. A mesma lógica se aplica no planejamento e desdobramento da estratégia em tática e operação, conhecido como Hoshin Kanri: qualquer boa literatura no assunto "gestão japonesa" deixa claro que a estratégia é um ciclo PDCA de longo prazo, executado por ciclos PDCA de médio prazo, que são, por sua vez, mantidos por ciclos que chegam ao nível diário [3–5]. Pelo visto, seguimos na mania de pensar em o que tirar da nossa cartola de métodos e ferramentas antes mesmo de pensar em qual é a necessidade.
A "hierarquia" de PDCAs e a duração de seus ciclos quando estamos fazendo gestão estratégica avançada com o Hoshin Kanri. Fonte: Oichi, 1995
O equívoco se expande ainda mais quando chegamos na questão de culpar a extensão do P pela dificuldade na sustentação dos resultados. Sinto muito: resultados, para se manterem, requerem manutenção, ainda mais em sistemas com muitas variáveis, como é uma empresa. Pode ser diária, semanal, mensal, anual, a cada século: a tendência de tudo na vida é o caos, o desfazer, e algo só dura enquanto cuidamos dele na periodicidade correta. A entropia manda, a gente, se quiser a longevidade de algo, obedece. Um único banho não vai te manter limpo para sempre e, da mesma forma, não é porque seu P foi excelentemente detalhado, que sua solução irá se manter. Experimente criar um mecanismo poka-yoke para impedir um erro que foi muito bem analisado em um impecável ciclo PDCA, mas não conferir diariamente se ele está ativo e em boas condições antes de iniciar o dia de trabalho. Gestão é um trabalho sem fim. Aceite.
No final, seu chefe, ou o chefe do seu chefe, ou aquela pessoa que você há anos tenta convencer da importância de se fazer uma análise aprofundada de uma situação - que pode ser até você mesmo -, não te dá ouvidos pois você quer que ela raciocine refinadamente, quando é hora de reagir. A máquina gargalo de demanda constante e que custa cinco dígitos por hora parada está precisando voltar a trabalhar, e pode voltar a trabalhar se você trocar aquele sensor e disponibilizar alguém para acompanhar temporariamente, mas você quer que seja feita uma análise que, a gosto do problema - e não seu - pode se revelar um processo de seis meses. O cliente do qual você vai perder o longo contrato, pois ele veio reclamar do serviço péssimo que você prestou no último mês, não vai esperar você encontrar a causa raiz e só então trocar sua empresa pela concorrente. Da mesma maneira que um paciente com hemorragia grave não vai esperar vivo o médico chegar na doença que há de fundo para o sangramento. Just-in-time, ao contrário do que parece, não é somente sobre o produto, e “a pressa é a inimiga da perfeição" é mais uma das máximas que, fora de seu contexto, vira um pretexto para fazermos tolices: saber quando reagir e quando raciocinar é o que protege o indivíduo, mas também é o que protege qualquer processo.
Ainda bem que a Toyota não segue o "PDCA japonês", ou ela sequer teria um carro pronto para conseguir vender.
Um abraço, e nos vemos em breve.
Bruno
EXTRA
Nesta semana, no dia 22 de maio, das 19 às 21h, eu vou ministrar um curso rápido, ao vivo e totalmente gratuito, com certificado, exatamente sobre o tema PDCA. Este curso rápido é meu "ato de desespero" diante do que tenho visto e recebido em compartilhamentos de colegas sobre o tratamento que ele tem recebido até mesmo em cursos pagos. A tendência natural de todo conceito que se populariza, infelizmente, é o apodrecimento; o que se ganha, na era da informação, em velocidade, se perde em qualidade. É um telefone sem fio impressionantemente corrosivo e que cria simplismo ao invés de simplicidade, e de boca em boca, dedo em dedo, o que era para ser o bê-a-bá de como fazer gestão virou sinônimo de enrolação.
Vai ser uma chance excelente de você se aprofundar no tema e ainda enriquecer uma segunda ou terceira leitura que você faça do artigo acima. As inscrições se encerram HOJE, 21 de maio. Para se inscrever, é só clicar aqui.
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Referências
[1] Damásio A. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Editora Companhia das Letras; 2012.
[2] Dimitriadis N, Psychogios A. Neurociência para líderes: como liderar pessoas e empresas para o sucesso. Universo dos Livros Editora; 2021.
[3] Oichi M. Tips: Técnicas Integradas na Produção e Serviços. Instituto IMAM; 1995.
[4] Suzaki K. New Shop Floor Management: Empowering People for Continuous Improvement. Simon and Schuster; 1993.
[5] Akao Y. Desdobramento das Diretrizes para o Sucesso do TQM. Bookman; 1997.